terça-feira, 25 de novembro de 2008

quase uma estória


Tinha o cigarro como única companhia enquanto esperava o som da porta a ranger lá em baixo e passos ao fundo do corredor. Isto se não contarmos com os gatos, que se iam reproduzindo a um ritmo alucinante sem que ninguém, ou quase, desse conta. Queima os dedos com o borrão do cigarro, e só se apercebe quando tenta dar uma passa e se solta um travo demasiado adocicado para o seu paladar.
O som nunca mais se apressava a chegar, por isso resolve servir mais um whisky e seguir viagem em frente ao computador.
Na página já bem conhecida dos agora hábeis dedos já alguém reclamava a sua presença.
Apanha o cabelo, coça o nariz e apressa-se a responder: -Esperava que alguém batesse à porta do meu coração, mas continua em silêncio…
Do outro lado, um estilo de escrita ia-se tornando familiar, muito mais do que à primeira vista seria de esperar... Sentia-se confortável e fluído em frente ao seu novo amigo virtual. Na sua cabeça uma ideia de pessoa começa a tomar forma, a ganhar contornos como se estivesse ali mesmo à sua frente. Desenha-lhe os gestos, os maneirismos e os sorrisos abertos na sua direcção. Uma nova confiança nasce de tão notável relação.
Uma paixão avassaladora tomou conta do seu corpo franzino e da mente fraca.
Pronto para o próximo passo. Visitá-lo em sua casa, raptá-lo à sua vida vazia e rotineira, levá-lo nos braços para uma vida nova, onde se pudessem amar sem distâncias, onde um teclado e ícones tão expressivos não tivessem que ser as únicas formas de expressão.
Eis que se faz à estrada.
Viaja como se não houvesse amanhã, apenas os quilómetros a passar no visor e uma imagem bem definida na sua mente: Aquele homem!
Chega.
Procura.
Encontra a casa.
Bate à porta.
Não era ali.
Aquele nome, aquele rosto, aquela figura não existia para aquela morada. Era apenas uma morada de silêncio. E em silêncio algumas lágrimas não contidas apressaram-se a deslizar rosto abaixo como se os seus olhos fossem barragem no limite das capacidades. E todo o seu corpo se transformou num pequeno ribeiro por onde passeavam girinos que nunca poderiam vir a tornar-se rãs dignas desse nome. Deambula sem destino e sem sentido. Sente-se traído por si próprio. Traído por se sentir atraído…

Regressa a casa, ao mesmo teclado, à mesma página com outro cigarro entre os dedos e no copo o final da garrafa de whisky. O mesmo homem surge no ecrã. O mesmo não. Outro. Embora a morada de correio electrónico fosse a mesma, para si Norberto era apenas um buraco negro, vazio e silencioso. Destituído da forma que anteriormente lhe tinha dado.
Novamente a barragem transbordava enquanto lhe saíam palavras desconexadas vazias sentido para o outro lado: “tentei ser teu, amar-te e amar o falso ouro, mas não…”
Amigos como nunca.
Porta trancada sem passos na escada.
E só de novo por muito mais tempo...

Um comentário:

f@ disse...

Quase...?
O som da porta range mesmo quando se espera alguém... e não são as gatinhas... é a emoção... a ansiedade ... algo tão palpável como o palpitar do coração ao mínimo ruído...
Sabes bem que essa porta nunca se tranca...e tem tb as janelas...

Beijinho das nuvens