quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Tom Bianchi
"Carl on a Pedestal"

"Não mais! Não mais! que eu esqueça que te tive,
e tu me esqueças debruçado em ti!
Que tudo seja como outrora eu vi:
uma figura ao longe recortada,
e fina e esbelta, ou suave e alongada,
não tão distante que não me entendas
nem tão perto de mim que tu me vendas,
no mesmo corpo belo, o que não vive
nesse teu rosto ou sob a tua pele:
uma malícia esplêndida, capaz
de se entregar violenta quando a impele,
sem mais que orgulho, a força juvenil.
Assim será que, em mim, teu corpo jaz.
e sem nos lábios o sorriso vil.
mas como há-de teu corpo em mim ter paz?"
Jorge de Sena

«Lindo
mármore precioso que na alcova
surpreendi dormindo!
E lindo
à luz dum fosforo acendido a medo,
despertou sorrindo.
E, lindo,
dos olhos as meninas me saltaram
para o nú que se estava descobrindo.
Linda!
Ficou-se ao desagasalho adormecida,
ai vida,
como ainda não vi coisa tão linda.
Linda,
braços abertos em desnudo amplexo,
seu corpo era uma púbere mendiga,
e ele é que estava pedindo, lindo, o meu sexo.»
Afonso Duarte - canções do nú

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

ondas em linha reta

"as ondas do mar vão, não voltam...
espuma dos dias do menino pessoa, que espera na sétima onda, o momento certo para mergulhar
procurei, procurei
mas não encontrei
nada que me tornasse noutro ser; o vivo
a dança
oculta e sinistra linguagem de códigos;
outra linguagem numa mesma lingua
o frio atrapalha os braços dos que procuram mais de um milhão de abraços
um galo cantou nesta triste e fria madrugada.
o que disse? o que chorou?
como saber?
o silvo do vento deixou apenas um silêncio ensurdecedor
enquanto o gelo arrefece os corpos;
no copo prepara a bebida - a do esquecimento;
a da morte em branco"
bostik

breu

"o tempo nasce turvo e asfixia o corpo.
no pensamento curvo, a memória de um dialogo em cuecas deambula pelos recantos da memória.
eugénio cantou um dia:"um poema é uma fonte de luz, uma luz intensa que ofusca e que queima o olhar; se o amor é poesia, porque se encontra então a minha alma tão cheia de escuridão?"
bostik

fome

"outrora passávamos fome, mendigávamos sol e chuva sem saber escrever
sem saber como nos livrarmos da miséria que nos rodeava
chamavamo-nos "o povo oprimido e afónico"
quería-mos o direito à palavra, ao voto, à educação para uma vida como mendigos dignos
gritámos, acenámos e ameaçámos com martelos e foices
"a terra a quem a pisa"
"pão a quem o amassa"
antes clandestinos,
aqui e acolá um laivo de luz na imensa treva, um suspiro, uma triste ansiedade num futuro melhor para estas gerações de tugas que nos coube em sorte gerar
queríamos um mundo melhor
democrático
livre...
deram-nos pão para adiar a fome e as causas da morte"
bostick
"Vai-se perdendo o tempo que ficou no dia de ontem:
pintam-se de amarelo os limões enquanto assobio nas folhas os sons que desaprendi,
quebra-se a corrida para não se deixar de saber correr;
um viajante vai guardando em frascos os perfumes desta cidade - um dia irá vendê-los...
inventaram-se os cães que dormem nas ruas ou que deambulam nas esquinas para que a realidade não nos fuja,
mas acabamos à procura deles nos lugares onde nos substituiram por quem não conhecemos"
rita penas
"A pessoa que povoaria a aldeia global olhou-se no espelho e viu-se em caos multiculturais"
cindy sherman